VOZ

Hoje toda a gente falou.
Hoje todo o mundo falou.
Eu falei e nem me ouvi, eu ouvi e nem liguei.
Voz cantada, voz falada, voz ouvida.

Os sons são vibrações.
Há sons maiores, sons que resultam de vibrações
e depois se transformam em novas vibrações
dentro dos corações

Uma corda vocal vibra,
outra vibra,
vibram todas
Ouve-se o vibrar.
Ás vezes, não.
Ás vezes o vibrar não se ouve,
ás vezes não estamos disponíveis para ouvir a vibração
e vibrar com ela.

Voz interior e interna, voz que sobe, voz que desce.
Que vem de dentro e que vai para dentro. Para dentro de nós.
Pode ir para o sítio de onde saiu, ou não...
Pode ir para outro sítio qualquer dentro de nós.
Há vozes que vão deireitas ao nosso coração,
e há outras que vão parar às mãos
(quando reagimos ao que ouvimos),
ou à cabeça
(quando ficamos a pensar naquilo que ouvimos ou que dizemos),
ao estômago
(se ficarmos nervosos),
às pernas
(se tivermos medo)...

Voz que vem de fora, que grita ou sussurra,
Que vem de fora de mim e de fora de ti.
Voz da natureza,
Sons perfeitos, sons bonitos, sons que soam
Sons que mostram e que não ocultam.

Tenho vozes que me ficam no ouvido, por exemplo.
Vozes que reconheço e que me fazem sentir saudades ou me fazem sorrir.
Há vozes que nunca ouvi e também há as que eu não gosto de ouvir.


Hoje comemora-se a voz.



A voz é qualquer coisa que cada um de nós tem e que nos distingue dos outros... vejo-a como uma segunda impressão digital. Mas não se vê, ouve-se.
É engraçado! Quando comecei a pensar na voz antes de começar a escrever este post, o meu pensamento levou-me para sítios que nem sempre me ocorrem.

Deixo um texto de Fernando Pessoa que espero que gostem.



"Cantava, em uma voz muito suave, uma canção de país longínquo. A música tornava familiares as palavras incógnitas. parecia o fado para a alma, mas não tinha com ele semelhança alguma.
A canção dizia, pelas palavras veladas e a melodia humana, coisas que estão na alma de todos e que ninguém conhece. Ele cantava numa espécie de sonolência, ignorando com o olhar os ouvintes, num pequeno êxtase de rua.
O povo reunido ouvia-o sem grande motejo visível. A canção era de toda a gente, e as palavras falavam às vezes connosco, segredo oriental de qualquer raça perdida. O ruido da cidade não se ouvia se o ouvíamos, e passavam as carroças tão perto que uma me roçou pelo solto do casaco. mas senti-a e não a ouvi. Havia uma absorção no canto do desconhecido que fazia bem ao que em nós sonha ou não consegue (...)"
Bernardo Soares
Livro do Desassossego, Autobiografia Sem Factos, 408

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