Há anjos assim...




O ANJO MARINHO

O pensamento às vezes torna-se
material e tórrido. E às vezes
nas imagens da ausência nada
é frio. Ou outras associações
nascem. Estou sem Ti percorrida
por esse fogo. As faces cálidas
que ainda ecoam. As faúlhas
azuis e a baba do verdadeiro
fogo. Expectante e em cinza. Não
me reconheces já. Eu transfiro
o meu poder para a cinza. É
encantatória. Suave e com um
cinzento de rolas. Certos dias
a poeira brilha. Tu ainda
podes aturdir-me. Soprar
com lentidão para dentro do mar.
Até que eu me deixe afastar.


Fiama Hasse Pais Brandão
Obra Breve

***

Neptuno chamou a si todos os anjos do Mar e disse-lhes: "Há uma única coisa a fazer hoje e sempre." A voz grave e sábia, ao mesmo tempo doce de Mar salgado, os olhos brilhavam e os cavalos marinhos esperavam pela palavra certa, no momento certo em que desatassem a correr pelas ondas fora, levados pelas correntes mais quentes. Correntes sanguíneas de sangue azul, de um sangue real. Não era real de realeza, era real de realidade, porque era real. O Sangue do Mar corria quente nessa tarde. Porque o Rei Sol também tinha sido convidado e trouxe de presente, para todos os seres marinhos, os seus braços abertos infinitos de carinho e de Amor pelo Grande Azul.
"Que os anjos de todos os mares, voem bem fundo."A voar, submersos todos cumpriram desde o primeiro dia do Universo. Hoje, sempre que os sentimos a passar e a rebentar na espuma, achamos graça. Eles são graciosos no seu jeito de ser. São acolhedores na sua presença infinita e celestial. São celestes no Mar. Descem em cada gota de chuva, ainda sem asas preparadas para submergir. Não sentem o vento do mesmo modo, os seus olhos não se assustam com o tamanho das vagas que se formam em alto Mar, nem com os barcos, nem com os barqueiros que lhes aparecem pela frente. Os pescadores sabem sempre onde encontrá-los. Sabem como chamar por eles em tempestades da vida. E, quando ganham as asas de Mar, aprendem a voar no Mar, como peixes, como algas, como o próprio Mar sabe ser-se. São Mar com ele, são líquidos e têm aquela qualidade de se poderem deslocar com o sabor a sal que vai e vem, que embala, que rebenta e sempre regressa.

Há anjos assim líquidefeitos, flutuam e ondulam no Mar da vida. Nem o fogo que os ilumina, nem o vento que lhes sopra nas asas e lhes solta os cabelos, nem a areia lisa, quente, fina, nenhuma destas companhias se faz rogada, se fica por si, se queda numa esquina de uma rocha à espera de um novo dia, sem a bênção maior e mais linda de se ver em frente ao Mar. Os anjos marinhos soltam palavras de uma língua desconhecida para todo o sempre dos lábios branco-cal, da sua boca sai uma brisa azulada, que muda de tonalidade consoante as palavras e os sons vão mudando.
A brisa solta-se do azul-claro-água ao azul-escuro-noite. Mas há azuis de todas as cores nessa bênção. As Sereias* vergam-se aos seus pés, saúdam-nos de uma forma inigualável e inimaginável. E eu que sou Sereia* como qualquer outra, só canto nessa altura. Só canto, para os anjos marinhos. No meu feitiço, a fada do Mar disse-me que seria assim para todo o sempre. Só cantaria para os anjos do Mar ouvirem. E mesmo que eu tente cantar para outros seres marinhos, da minha boca não sai um único som que se ouça aquém ou além da praia da minha vida*

Comentários

Paula Raposo disse…
Um post muito bonito! Doce de anjos...beijos.

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